Tradução da introdução do livro Terrorist Assemblages: Homonationalism in Queer Times, de Jasbir K. Puar (2007)
Tanto Krauthammer quanto sua crítica, a acadêmica de estudos americanos Amy Kaplan, enfatizam a confluência entre a sexualidade e a política americanas. A metáfora da saída do armário, que Kaplan diz ser invocada constantemente pelos neoconservadores norte-americanos para construir — com mais e mais facilidade — a ideia dos Estados Unidos como um império, chama a atenção não apenas por sua disseminação apropriativa, mas pelo que essa apropriação indica. Por um lado, essa convergência marca um momento cultural de inclusão nacional da homossexualidade, aludindo a uma possibilidade paralela de libertação nacional e queer. Essa sanção da língua franca da libertação gay indica que a saída do império Americano de seus armários — um império já conhecido, mas velado — deve e irá resultar em orgulho, em um império Americano orgulhoso. Nesse texto incisivo, Kaplan, de modo perspicaz, chama a atenção para as omissões do pronunciamento de Krauthammer, mas infelizmente também faz as suas próprias. Do ponto de vista demográfico, pode-se deduzir que as pessoas mais prováveis de serem forçadas no armário pela política “não pergunte, não conte” [Don’t Ask, Don’t Tell], dado que é uma maioria desproporcional nos alistamentos das forças armadas dos EUA, são homens e mulheres de cor. Assim, qualquer insinuação de afinidade com sujeitos sexuais não normativos que a nação fizer será atentamente delimitada por um “poder militar que exige que seus soldados fiquem no armário”. Essa ressalva é implicitamente racializada ao demarcar os participantes menos bem-vindos nessa revelação nacional do orgulho de ser uma pessoa queer de cor. Além disso, nessa recuperação do excepcionalismo, Krauthammer e Kaplan fazem uma afirmação perturbadora sobre os investimentos teleológicos nas narrativas de “ficar” ou “sair do armário” que tem sido criticadas há tempos por teóricos pós-estruturalistas por causa dos sujeitos liberais (brancos) gays, lésbicas e queer que elas inscrevem e validam.
A inclusão e o reconhecimento nacional, aqui considerado um jargão da anexação homossexual, depende da segregação e desqualificação de outros [others] raciais e sexuais no imaginário nacional. Existe nessa dinâmica um tipo de excepcionalismo sexual — a emergência da homossexualidade nacional, que chamo de “homonacionalismo” — que corresponde à saída do armário do excepcionalismo do império Americano. Mais adiante, esse tipo de homossexualidade opera como um modelo regulatório não apenas da normatividade gay, queer ou da homossexualidade, mas também de normas raciais e nacionais que reforçam esses sujeitos sexuais. Há um compromisso com a ascendência global dominante da branquitude [whiteness] que está implicado na propagação dos Estados Unidos como um império e as alianças entre essa propagação e esse tipo de homossexualidade. A sanção fugaz de um sujeito homossexual nacional é possível não só pela proliferação de sujeitos raciais-sexuais que invariavelmente saem de seus termos restritivos de aceitação, como outros já apontaram, mas, de forma mais significativa, pela produção e repúdio simultâneos de populações de alteridades [others] sexuais-raciais que não podem aceder [à figura de sujeito homossexual nacional].
Nas páginas seguintes exploro essas três manifestações imbricadas — excepcionalismo sexual, o queer como regulação e a ascendência da branquitude — e suas relações com a produção de corpos terroristas e cidadãos. Meu objetivo é apresentar uma descrição hábil que chame a atenção para como, por que e onde esses três fios se encontram e onde eles se imbricam, resistindo a um mecanismo de explicação que possa cobrir todos os casos. No caso do que chamo de “excepcionalismo sexual norte-americano”, uma narrativa que reivindica sucesso na organização da vida de um povo, o que é notável é que uma forma excepcional de heteronormatividade nacional agora se junta a uma forma excepcional de homonormatividade nacional, em outras palavras, homonacionalismo. Coletivamente, eles continuam ou estendem o projeto do nacionalismo norte-americano e da expansão imperial endêmica à guerra ao terror. Os termos da degeneração mudaram de tal forma que a homossexualidade não é mais excluída a priori de formações nacionalistas. Eu desvelo as formas de regulação implícitas nas noções de sujeitos queer que são transcendentes, seculares, ou, de outro modo, exemplares, como resistentes, e abro a questão da re/produção e regeneração queer e suas contribuições ao projeto de otimização da vida. A ascendência da branquitude é uma descrição da biopolítica proferida por Rey Chow, que associa a violência no uso liberal da diversidade e multiculturalismo à “valorização da vida”, um álibi que permite uma exploração desenfreada dos próprios sujeitos incluídos nos discursos de diversidade. Elucido como essas três abordagens de estudo da sexualidade, tomadas juntas, sugerem uma releitura vigorosa da biopolítica em relação ao desvio sexual [queerness] e sua intratabilidade nos acordos biopolíticos de vida e morte.